segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A Mulher Estranha


Para ter algum descanso do trânsito de Sampa, decidi vir trabalhar de trem hoje. Trata-se de um ambiente absolutamente desprovido de conforto, mas leva em traz com considerável ganho de tempo, em relação aos automóveis.

As pessoas dentro do trem estão mais egocêntricas do que nunca. Mal olham umas para as outras e seus aparelhos de mp3 dão-lhes uma força no quesito “se isolar”. Assim, o passageiro entra, coloca seus fones de ouvidos e, sentado ou em pé, esquece-se de tudo à sua volta, até porque isso torna a viagem menos enfadonha e sofrível.

Hoje, apesar de minha própria redoma invisível também estar ativada, estava prestando atenção a uma mulher “diferente” que estava sentada bem à minha direita (eu estava em pé, porque quem entra em Franco da Rocha fica sempre em pé). Tinha uma aparência bem simplória, se vestia toda colorida, e parecia estar terminando de se arrumar no trem. Devia ter acordado atrasada e dava os últimos retoques à estranha aparência e à higiene ali mesmo, no meio de todo mundo. (Afinal, uma mulher mais fina faz isso dentro de seu carro, mesmo que isso coloque em risco as vidas das pessoas fora dele...).

Então flagrei o momento em que ela desavexadamente tirou um tubo de creme dental da bolsa, passou um pouquinho na ponta do indicador e meteu entre os dentes, e, depois de massagea-los, ficou fazendo bochechos com o produto. Pensei: “Essa é arretada mesmo”. São Paulo é isso! Tem gente de todas as formas, cores e tamanhos. Mas gente sempre me surpreende.

Não demorou muito e entrou no trem um senhor bem velhinho e rumou para perto dos bancos, para tentar a sorte, já que ceder lugar, até para idosos, se tornou tão raro quanto ouvir um muito obrigado. Nos trens da CPTM ocorre um efeito interessante quando uma grávida, mulher com criança no colo, ou um idoso entra no vagão. Imediatamente a maioria dos sentados caem no mais profundo sono, outros perdem a visão periférica e passam a olhar fixamente na direção contrária ao indesejado passageiro. Ninguém se levantaria para o velhinho, exceto quem? A mulher da pasta de dente. Foi só ela ver aquele senhor em pé e prontamente ofereceu-lhe o lugar. E não só isso. Ela fez com que aceitasse sem culpa, explicando-lhe que ficaria bem.

Aí estava mais um “morde a língua Nilton”. Eu, que sairia do dali só para contar que vi uma mulher escovando os dentes no trem, agora formulava como contar que a mulher mais estranha do vagão era também a mais pronta a ajudar, a mais solidária. Amaldiçoei a estética, porque essa droga enverniza pessoas abomináveis fazendo-as parecer boas e nos faz fechar os olhos para a simples bondade que pode existir até nas pessoas mais estranhas. “Ponto para a estranheza!”. Não é feio ser estranho e ter hábitos não muito ortodoxos. Feio é ser insensível às mazelas da vida. E, Niltão, a verdadeira beleza está além do que os seus pobres olhos óticos podem ver.


2 comentários:

Gillianne Vicente disse...

Nilton
Acabo de ver uma reportagem que diz que São Paulo está entre as 5 cidades mais gentis do mundo, será que é verdade?
É tanta correria que às vezes sem perceber somos mal educados.
Se todos fizessem como vc e parasse para observar o que se passa a nossa volta, tudo seria diferente.
Li que a gente passa a maior parte da nossa vida sonhando, nossa mente nunca está no momento presente.Uma hora tá no passado, outra hora já tá no futuro e tudo passa sem que a gente se dê conta.
Se conseguirmos fixar nossa mente no agora, que é o único momento que realmente existe e é o único momento em que as coisas acontecem, aí viveremos um dia de cada vez, não seremos tão neuróticos e começaremos a viver a vida.

Adriana Satie disse...

É Nilton, vc escreve muito bem o post é bem interessante....
Um fato para se parar e pensar, o valor das pessoas está em suas atitudes e não na sua aparência....
[:)]